Mais uma vez, tudo começou com o Bezerra da Silva, na verdade o filho dele, Léo Bezerra. Ele me chamou para conhecer seu novo negócio, a Ogro Sports, uma fábrica de roupa esportiva na Cidade de Deus, lugar onde nasceu. O Léo me levou de carro. Da casa dele, numa grande avenida de Jacarepaguá, a gente andou poucos metros e já dobramos numa ruazinha apertada. Quando ligou o pisca alerta, código como se fosse um pedido de permissão para trafegar dentro daquela área dominada, veio um carro na direção contrária. A rua não cabia nem um carro, imagina dois. Olhei para trás e já tinha outro carro nas nossas costas, impossível dar ré. Meu amigo e motora não vacilou. Fechou o espelho lateral do carro, foi um pouquinho pro lado e avançou. O carro na nossa frente também fechou os dois espelhos nas laterais e avançou chegando o mais perto da parede possível. De repente, sei lá como, o carro conseguiu passar pela gente e a gente por ele. E eu só pensando: “Ainda bem que o carro não é meu!” rsrs.
O Léo conhece todo mundo, então ele brincava com quem passava perto do carro. Às vezes até parava e ficava conversando por horas, até se lembrar que não estava sozinho no carro. Foi virar mais uma ruazinha e a gente deu de cara com uns meninos de chinelo, bermuda, carregando ferramentas de trabalho, na maioria das vezes, até maiores do que eles! Não é que o Bezerra não colocou a cabeça pra fora e gritou pra um moleque do grupo: “Tu é o maior vacilão!” O moleque se aproximou de cabeça baixa, envergonhado e Léo ainda meteu o dedo na cara dele. Não é que ele ouviu o esculacho sem falar nada, sem reagir. “Tu devia está jogando bola! Tu tem futuro, tá estragando a tua vida aqui!”. Depois de uns vinte “eu sei” sem convicção do moleque, o Léo cumprimentou o garoto e a gente seguiu.
Paramos o carro na frente de um portão de madeira que ele abriu todo orgulhoso, apresentando a Ogro Sports. Realmente a estrutura é muito maneira, uma prensa industrial, mesa de corte e uma sala com ar condicionado onde mora uma impressora imensa, que ocupa de parede à parede. O processo é simples, eles imprimem, prensam no tecido, cortam e depois mandam para costura. Depois de ver algumas peças sendo feitas, ele me levou para conhecer a costureira. A gente foi a pé mesmo até um pequeno portão de ferro. Quando abriu a porta, fiquei de queixo caído: tinha quatro mulheres atrás das máquinas de costura trabalhando num lugar rodeado de carretéis de linhas e fios de todas as cores imagináveis, além de pilhas e pilhas de tecido e peças de roupas acabadas e semiacabadas.
Ele me apresentou para todo mundo e durante a conversa vi o logo e a etiqueta de uma marca muito famosa de moda. Eu puxei o Léo pro lado e perguntei baixinho: “Elas falsificam a marca tal?” Ele nem esperou eu terminar e soltou uma sonora gargalhada. Eu nem tive tempo da vergonha que seria se elas ouvissem minha pergunta e o Léo já espanou geral: “Ele tá achando que essas roupas são falsificadas.” E todo mundo começou a rir de mim. Eu não acreditei e acabei soltando, de forma muito injusta, confesso: “Mentira! Jura?”. Eram elas que faziam as roupas ORIGINAIS, que valem milhares de reais daquela marca famosa. Na hora veio a pergunta à minha cabeça: se são elas que fazem essas roupas caras, por que continuam trabalhando em fábricas isoladas nas favelas? O lógico, o certo, seria que elas deveriam ter uma condição de vida extraordinária, ganhando muito, muito bem. São elas quem fazem as roupas da marca famosa! Pensei: “de repente não querem largar a vida em comunidade, sei lá.”.
Eu queria muito que essa ingenuidade fosse verdadeira, só que não. Eu sei que peru de fora, como eu, não pode dar pitaco, já que eu nem sequer moro ou morei na favela, mas o Léo pode. O herdeiro de Bezerra da Silva, o embaixador das favelas, tinha que agir. E ele não decepcionou. Reuniu duas excelentes estilistas e costureiras para montar uma marca que fosse delas, que valorizasse de todas as formas o trabalho delas, que vamos combinar, é excepcional.
Esse projeto foi batizado de Favela Fashion.
Data da publicação
April,
11
2023
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